domingo, 5 de maio de 2013

STJ não decretou a morte do seguro judicial


Algumas semanas atrás[1], o julgamento do Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 266.570/PA ganhou notoriedade na comunidade jurídica por ter dado a entender que o Superior Tribunal de Justiça teria “decretado a morte” do seguro judicial como forma de garantia nas execuções fiscais, em razão, basicamente, da inexistência de expressa previsão legal para sua aceitação no artigo 9º da Lei 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal).
“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. GARANTIA DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO. SEGURO-GARANTIA JUDICIAL. MODALIDADE DE CAUÇÃO. FALTA DE PREVISÃO LEGAL. (...)
1. O acórdão recorrido encontra-se em sintonia com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que é firme no sentido de inadmitir-se o uso do Seguro-Garantia Judicial como caução à Execução Fiscal, por ausência de norma legal disciplinadora do instituto, não estando esta modalidade entre as previstas no artigo 9º da Lei 6.830/1980. (...)”[2]
Essa decisão causou bastante apreensão aos contribuintes, principalmente aqueles que ainda precisam apresentar garantias e viabilizar o recebimento de suas defesas contra as cobranças que reputam indevidas.
Por óbvio, não foi um precedente favorável aos contribuintes. Todavia, ao analisar o precedente com olhos um pouco mais otimistas, é possível identificar alguns pontos de crítica construtiva simples e consistentes o suficiente para acreditar que a discussão sobre o assunto não se encerrou. Pelo menos por ora. Debater a questão é preciso.
Observe-se que, muito embora de fato não haja previsão na Lei de Execução Fiscal para a aceitação do seguro judicial como garantia, há a equiparação do depósito em dinheiro à carta de fiança bancária nos artigos 9º, inciso II[3] e 15, inciso I[4]. E não se pode olvidar que o Código de Processo Civil —de aplicação subsidiária à Lei de Execução Fiscal não apenas em favor da Fazenda Pública naquilo que a convém, mas também em favor do contribuinte[5] —equipara a carta de fiança ao seguro judicial no artigo 656, paragrafo 2º (incluído pela Lei 11.382/2006)[6].
Basta um silogismo para perceber que o seguro judicial deveria sim ser aceito na execução fiscal, sem maiores problemas. Ora, se o depósito em dinheiro é equiparado à carta de fiança, sendo que esta tem previsão expressa de aceitação na Lei de Execução Fiscal e a carta de fiança é equiparada ao seguro judicial, logo o depósito em dinheiro se equipara ao seguro judicial, que deve ser aceito como forma de garantia na execução fiscal. Simples assim.
Não parece que esse ponto foi abordado de forma detida no julgamento do Agravo Regimental em discussão. Para alento dos contribuintes, os juízes aos poucos estão se conscientizando desse hiato e, inclusive, passando por cima da recusa expressa da Fazenda Pública para aceitar o seguro judicial como garantia na execução fiscal, sem que isso implique em desrespeito ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça, ante a sua natureza complementar e interativa. Confira-se o recentíssimo precedente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região a esse respeito:
“PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL - PENHORA ON LINE – SEGURO GARANTIA JUDICIAL – RECUSA ILEGÍTIMA DA FAZENDA PÚBLICA.
1. A Lei nº 11.382/2006, introduzindo no CPC o §2º ao art. 656, viabilizou expressamente a substituição da penhora por fiança bancária (=débito a ser garantido) ou por seguro garantia judicial (= valor devido + 30%).
2. Como a fiança bancária tem paridade com o depósito em dinheiro (art. 9º, I, II e §3º, da Lei nº 6.830/80), reconhecida pelo STJ (MC nº 13.590/RJ), também assim ocorre com o ‘seguro garantia judicial’.
3. ‘Admissível, emprestando eficácia ao quanto estabelece o art. 620, do CPC, a substituição dos ativos financeiros penhorados, por bem de outra natureza, ainda que inobservada a ordem legal de preferência, mas idôneo à satisfação da pretensão executiva ou sua garantia.’ (AGA 0052238-16.2009.4.01.0000/BA,  Rel. Conv. JUÍZA FEDERAL GILDA SIGMARINGA SEIXAS (CONV.), SÉTIMA TURMA, e-DJF1 p.458 de 12/03/2010).
4. Na hipótese vertente, a executada diligenciou no sentido de garantir a pretensão executiva contra ela instaurada, uma vez que ofereceu “apólice de seguro garantia”, que restou deferida pelo Magistrado a quo. A recusa da FN não é, pois, legítima. O bloqueio é impertinente. Não houve omissão do devedor.
5. Agravo Regimental não provido.”[7].
De qualquer forma, partindo do pressuposto de que o entendimento exposto no julgamento do Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 266.570/PA seria intransponível, apenas a título de argumentação, ainda assim o mesmo não seria aplicável a toda e qualquer execução fiscal. Repare que na ocasião o tributo era cobrado pelo Estado do Pará e que o seguro judicial não foi aceito não apenas em razão da inexistência de previsão legal, mas também pela recusa expressa e irredutível da referida garantia pelo credor.
Caso o tributo em discussão fosse cobrado pela União, a alegação de falta de previsão legal na Lei de Execução Fiscal, por si só, não seria suficiente para ensejar a recusa do seguro judicial. Isso porque a União Federal reconhece a idoneidade do seguro judicial e o considera hábil a garantir o juízo, por meio da Portaria PGFN 644/2009 (alterada pela Portaria PGFN 1.378/2009)[8] e da Portaria PGFN 1.153/2009[9]. O mesmo ocorreria se o tributo fosse cobrado pelo estado de Minas Gerais, que optou por editar Resolução AGE 279/2011[10].
Atente-se para o fato de que os dispositivos que regulamentam a aceitação do seguro judicial fazem referência expressa a artigos do Código do Processo Civil e os consideram aplicáveis de forma inequívoca às execuções fiscais neste tocante, em sentido diametralmente oposto ao exposto no Agravo Regimental em foco. Apesar de serem casos específicos de débitos cobrados pela União e pelo estado de Minas Gerais, esse raciocínio também pode ser utilizado em outras hipóteses, nas quais a Fazenda Pública Estadual ou Municipal reconhece explícita ou tacitamente a idoneidade desse tipo de garantia fidejussória (por meio de portaria, resolução, etc., enfim, qualquer dispositivo legal latu sensu ou até mesmo por meio de manifestação de seu representante legal nos autos).
Em outras palavras, a falta de previsão legal na Lei de Execução Fiscal pode ser superada pelo reconhecimento voluntário da idoneidade do seguro fiança pela Fazenda Pública. Quando isso acontece, e o contribuinte atende a todos os requisitos formais mínimos, a garantia pode ser prontamente aceita pelo juiz e o credor sequer teria interesse processual em recorrer da decisão, sob pena de violação do artigo 3º do Código de Processo Civil[11].
Outra observação que se faz é com relação aos precedentes indicados no mencionado Agravo Regimental. No REsp 1.260.192/ES[12], o contribuinte visava à apresentação do seguro judicial em ação ordinária como forma de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, em flagrante violação ao artigo 151, inciso II, do CTN[13] e à Súmula STJ 112[14], hipótese totalmente diversa. Por sua vez, nos Recursos Especiais 1.201.075/RJ[15] e 1.098.193/RJ[16], o contribuinte visava à apresentação de seguro judicial com prazo de validade determinado para garantir débito federal em ações ajuizadas em 2003 (ação cautelar)[17] e 2006 (execução fiscal)[18] respectivamente, antes da entrada em vigor da Lei 11.382/2006 e muito antes da edição pela União dos dispositivos legais que passaram a reconhecer a idoneidade desse tipo de garantia. Com a devida vênia, esses precedentes não têm o condão de demonstrar a existência de um entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça sobre a não aceitação do seguro judicial em execuções fiscais, à luz da hodierna legislação sobre o tema, da própria evolução da garantia e como os credores a enxergam.
Portanto, mesmo diante da existência de uma corrente jurisprudencial mais conservadora que restringe a sua aceitação, o seguro judicial ainda é considerado idôneo e apto a ser apresentado nas execuções fiscais como forma de garantia. Essa deve ser a correta leitura que os contribuintes devem fazer do julgamento do Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 266.570/PA, sem extremismo, sem pessimismo. O copo ainda está meio cheio.

[1] http://www.conjur.com.br/2013-mar-19/stj-perto-definir-nao-cabe-seguro-garantia-execucoes-fiscais
[3] “Art. 9º - Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá: I - efetuar depósito em dinheiro, à ordem do Juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure atualização monetária; II - oferecer fiança bancária; (...)”
[4] “Art. 15 - Em qualquer fase do processo, será deferida pelo Juiz: (...) II - à Fazenda Pública, a substituição dos bens penhorados por outros, independentemente da ordem enumerada no artigo 11, bem como o reforço da penhora insuficiente.”
[5] Infelizmente, o Código de Processo Civil tem sido invocado em execuções fiscais apenas para beneficiar a Fazenda Pública; caso clássico e rotineiro é a não atribuição de efeito suspensivo aos embargos à execução fiscal por regra, com base no artigo 739-A CPC. Por outro lado, quando invocado em favor do contribuinte o Código de Processo Civil tem sido considerado “incompatível” ou “inapropriado”.
[6] “Art. 656.  A parte poderá requerer a substituição da penhora: (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). (...) § 2o  A penhora pode ser substituída por fiança bancária ou seguro garantia judicial, em valor não inferior ao do débito constante da inicial, mais 30% (trinta por cento). (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).”
[7] TRF1, AI 0007616-41.2012.4.01.0000 - Sétima Turma – Relator Desembargador Federal Reynaldo Fonseca, e-DJF1 05/04/2013. No mesmo sentido: TRF1, AG 2009.01.00.016427-3/DF, Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral, Sétima Turma, 24/07/2009- e-DJF1 p.200; TRF1, AGA 0052238-16.2009.4.01.0000/BA, Rel. Desembargador Federal Reynaldo Fonseca, Rel.Conv. Juíza Federal Gilda Sigmaringa Seixas (Conv.), Sétima Turma, e-DJF1 p.458 de 12/03/2010.
[8] “Estabelece critérios e condições para aceitação de carta de fiança bancária no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.”
[9] “Regulamenta o oferecimento e a aceitação de seguro garantia para débitos inscritos em Dívida Ativa da União”
[10] “Regulamenta o oferecimento e a aceitação de seguro garantia e da carta de fiança no âmbito da Advocacia Geral do Estado – AGE”
[11] “Art. 3o Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade.”
[12]https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1110002&sReg=201100503066&sData=20111209&formato=PDF
[13] “Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: (...) II - o depósito do seu montante integral;
[14] “O depósito somente suspende a exigibilidade do crédito tributário se for integral e em dinheiro.”
[15]https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1077123&sReg=201001193093&sData=20110809&formato=PDF
[16]https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=875976&sReg=200802257729&sData=20090513&formato=PDF
[17] JFRJ – Processo 0002571-58.2003.4.02.5104 (2003.51.04.002571-7)
[18] JFRJ – Processo 0015866-69.2006.4.02.5101 (2006.51.01.015866-2)

Alaim Rodrigues Neto é advogado tributarista.
Fonte: Alaim Rodrigues Neto - Revista Consultor Jurídico

Att.

Patricia Campos

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