terça-feira, 10 de agosto de 2010

Seguros e resseguros: esquizofrenia?


Indispensável para o fornecimento de serviços e obras como as do PAC, Olimpíada e Copa.

Seguros são requisitos indispensáveis para o fornecimento de serviços e obras como as do PAC, da Olimpíada e Copa do Mundo

A Lei Complementar 126/2007, que abriu o setor de resseguro, não previu situações perigosas para a saúde dos negócios internos ou internacionais de interesse do país, nem solucionou problemas que já vinham se delineando no setor de seguros desde o final dos anos 80.

A lei deixou muito a desejar, fiando-se apenas na posterior regulamentação da agência reguladora, a Superintendência de Seguros Privados (Susep), um risco que o país não pode correr. Apenas como exemplo, no governo Collor, a Susep (que deveria proteger segurados e beneficiários) foi a primeira área a sucumbir com o favorecimento das empresas de seguro, e fez coisas infelizes como a circular nº 06/90 que autorizava as seguradoras a pagar indenizações sem o uso do dinheiro, com a transferência de cruzados novos, o que acabava com o princípio indenizatório, essencial para o funcionamento do mercado de seguros.

Por sua vez, no resseguro, o cenário era de terra sem governo. Apesar dessas atribuições ainda pertencerem ao Instituto de Resseguros do Brasi (IRB), atualmente chamado de IRB-Brasil Re (Decreto-lei 73/66, art. 44), o esvaziamento da instituição nos últimos quatro governos dilapidou a capacidade de proteção aos interesses do país, especialmente no que tange a políticas de aceitação de riscos. E não houve nenhuma mudança nesse cenário com a chegada das resseguradoras privadas, que passaram a conviver com os efeitos da crise financeira de 2008, que atingiu em cheio a AIG, um dos principais grupos seguradores do mundo até então.

Sem o IRB de outrora, o Brasil tem hoje menor capacidade de proteção dos interesses expostos a riscos do que tinha durante os anos 80. O mercado local está vulnerável, sem suficiente e adequada capacidade de colocação de riscos, e submetido a práticas estranhas e não controladas. No campo do seguro, podem ser encontradas práticas discriminatórias sobre setores da sociedade e acham-se sem acesso ao seguro empresas para as quais esse tipo de proteção não é apenas condição essencial de existência (capital em bolsa, obtenção de financiamentos internacionais), mas também de exercício da atividade, pois os seguros são requisitos indispensáveis para o fornecimento de serviços e obras como as do PAC, da Olimpíada e para a Copa do Mundo.

Com investimentos projetados da ordem de US$ 600 bilhões, o país se vê com ínfima capacidade de garantia para sair à frente. E mesmo assim com condições bastante desfavoráveis. Muita gente, apesar disso, grita contra a intervenção estatal sem apresentar qualquer alternativa.

O Estado tem de ser pró-ativo, como ensina o professor de direito bancário, mercado de capitais e seguro da Universidade de Coimbra, João Calvão da Silva, em artigo intitulado Globalização e Direito da Banca, da Bolsa e dos Seguros: uma Resposta Europeia, ao enfatizar a necessidade de grande atenção estatal neste tempo crescentemente financeirizado, em ordem a evitar o triunfo de um metacapitalismo financeiro selvagem, um capitalismo financeiro nômade e apátrida extremamente desigual e injusto, à procura da ... Terra prometida, mais forte que os Estados ou regulador principal dos Estados e sociedades, indiferente aos custos econômicos, sociais, culturais e morais.

O fato é que pouquíssimos apontam saídas para o dilema securitário brasileiro. E uma delas seria reutilizar o IRB, que é uma sociedade de economia mista criada exatamente para atuar em prol dos interesses nacionais, como defende o professor Gilberto Bercovici, titular de direito econômico da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em artigo intitulado Resseguro e Ordem Econômica, publicado na Revista Brasileira de Direito do Seguro e da Responsabilidade Civil.

Em síntese, o Brasil ainda tem um instrumento de ação, a sociedade de economia mista denominada IRB Brasil Resseguros. Mas, o governo não parece disposto a utilizá-lo e já trouxe à baila a polêmica Empresa Brasileira de Seguros. Essa seguradora estatal se faria necessária porque, segundo o ministro da Economia, o setor não tem como dar conta de toda a necessidade de seguro para a viabilização dos projetos. Embora as seguradoras privadas, entre outros, critiquem a iniciativa do governo, o fato é que a premissa com a qual se depara o Estado brasileiro é verdadeira: não está sendo - nem se vislumbra que venha a ser - oferecida capacidade de proteção para os projetos brasileiros, nos seguros de garantia, de riscos de engenharia, crédito à exportação e outros essenciais para os agigantados empreendimentos.

O problema é que o governo quebrou um monopólio, ao invés de controlá-lo melhor e de impulsionar iniciativas como o Projeto de Lei de Contrato de Seguro (PL nº 3.555/2004) do deputado José Eduardo Cardozo, sublimado no Executivo desde quando apresentado. Nesse projeto pioneiro há normas impulsionando o resseguro à medida que o regula de forma a efetivamente proteger as responsabilidades das seguradoras, proíbe colocá-lo como condição para a garantia aos segurados, e prevê que a recusa de propostas de seguro deve ser fundada em fatores técnicos, vedadas políticas comerciais conducentes à discriminação social ou prejudiciais à livre iniciativa. O governo talvez não precise comprar a briga da Segurobrás e ser chamado de esquizofrênico. Basta reconsiderar. Recuperar o IRB para sua missão fundamental, e entregar para o povo brasileiro uma lei de contrato decente que possa proteger de verdade os segurados e beneficiários, destacadamente as empresas que se encarregarão de executar as obras do PAC e outras. Bastam o bom IRB de outrora e a Lei de Contrato de Seguro. Sem isso não haverá omelete.


Fonte: Ernesto Tzirulnik - Valor Econômico

Ernesto Tzirulnik é advogado e presidente do Instituto Brasileiro do Direito do Seguro (IBDS).


Att.

Patricia Campos

Telefax: (31) 3463-2838 / Cel: (31) 9675-5477


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