Quase 12 anos depois de criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para fiscalizar o setor, garantir a concorrência e os direitos do consumidor, o retrato do mercado de planos de Saúde é de recorde de reclamações e de concentração.
Há 11 anos, o setor lidera o ranking de queixas do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec). Ao mesmo tempo, mais da metade das 3.577 operadoras que receberam autorização para funcionar no país teve seus registros cancelados entre 2000 e 2011 — dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Foram 1.949 empresas extintas, ou 55% do total. Tudo isso sem falar na precariedade que vem dando ao serviço privado a cara do Sistema Único de Saúde (SUS).
Atualmente, existem 175 operadoras em regime de direção fiscal, ou seja, estão sob a intervenção da ANS. Elas representam 12% do total das 1.417 em atividade, com segurados. São empresas com problemas financeiros que venderam serviços que não conseguem custear. “Há uma tendência grande de concentração. As maiores estão absorvendo as pequenas”, afirma o presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Cid Carvalhaes. Hoje, apenas 19 operadoras, num universo de 1.417, já possuem em suas carteiras 40% dos beneficiários (18,5 milhões).
A concentração do mercado aumenta o poder de fogo das grandes operadoras, que acabam impondo suas condições aos prestadores de serviços — médicos, laboratórios e hospitais — e pressionando para baixo a remuneração paga. Neste ano, os conflitos entre profissionais (descontentes com os valores recebidos) com as empresas aumentaram. Muitos estão se descredenciando ou reduzindo a quantidade de atendimentos. Às negativas de cobertura pelos convênios, somou-se a demora na marcação de consultas pelo encolhimento da rede conveniada.
E as queixas dos consumidores só aumentam. O último índice de reclamações divulgado pela ANS até abril deste ano revela crescimento de 44% desde novembro do ano passado — e as ocorrências envolvem justamente empresas de grande e médio porte (veja quadro ao lado). Já em relação às pequenas, o número de reclamações subiu menos, 21% até abril. As estatísticas da agência reguladora não captaram a enxurrada de demandas dos beneficiários após paralisações e descredenciamento em massa feito pelos médicos a partir de abril. Coincidentemente, o sistema de atendimento ao público da ANS entrou em colapso no período, e a direção do órgão teve que arquivar milhares de reclamações por e-mail sem respostas.
Dados extraoficiais apontam que a agência recebeu pelo menos 20 mil reclamações e consultas nos últimos seis meses, mesmo com o serviço funcionando precariamente. Em julho, a agência suspendeu o atendimento por e-mail e os telefones ficaram congestionados. O órgão prometeu reativar o serviço até o fim deste mês. As principais reclamações, que se repetem todos os anos, pelos dados do Idec, são relativas a reajuste de mensalidades, negativa de cobertura e, mais recentemente, sobre a demora na marcação de consultas e procedimentos, além da adaptação de planos antigos para os novos.
Os problemas de Saúde financeira não se restringem às pequenas operadoras. Conforme informações obtidas pelo Correio, 11 das 18 maiores empresas estavam nas duas piores faixas de desempenho financeiro medidas pela ANS. O concentrado mercado de planos de Saúde chama a atenção dos especialistas do setor por ser muito heterogêneo. Por isso, requer uma regulação adequada para proteger o consumidor — o que não existe. Os agentes que oferecem planos de Saúde são muito diferenciados, de pequenos hospitais às grandes seguradoras, cada um com seu modelo de gestão — administradora de benefícios, sistema de autogestão, filantrópicas, cooperativas, medicina de grupo, seguradora etc. “Esses conglomerados obviamente, dentro da lógica de mercado, sacrificam os menores”, diz Carvalhaes.
Enquanto a ANS não mostra a que veio, o consumidor sofre. A última quinta-feira foi dolorosa para a gerente de eventos Eliamar de Fátima, 45 anos. Ela precisava ser internada no Hospital das Clínicas de Brasília (HCB) por conta de uma doença degenerativa e, o que era para ser um procedimento imediato, virou um tormento — uma espera de oito horas —, apesar do plano de Saúde. Primo de Eliamar, Silvio Donizetti Marins conta que a empresa Golden Cross rejeitou o laudo médico, alegando que tal documento era inválido. “Tivemos que procurar o médico e pedir outro laudo, que veio com o nome do Hospital de Base, pois o médico também trabalha lá”, relata. Quando tudo parecia resolvido, o plano negou novamente. A operadora disse que não aceitava laudos de hospitais do governo.
Silvio diz que precisou ameaçar judicialmente a empresa para que ela se prontificasse. “Falei para a atendente que ia registrar o caso no Ministério Público. E instantes depois veio uma pessoa que trabalha na internação do HCB e conseguiu uma vaga, por volta das 20h. Ou seja, precisei ameaçar para que eles pudessem atender a minha prima, sendo que é um direito dela. Afinal, ela paga o plano de Saúde”, lamenta. (Colaborou Gustavo Henrique Braga)[7]
Estatísticas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mostram que a taxa de utilização dos serviços de consultas entre os beneficiários dos planos de Saúde variou pouco entre 2007 e 2009 (últimos dados disponíveis). A média de consultas por usuário foi de 5,3 em 2007 e de 5,5 em 2009, com gasto para cada um em torno de R$ 36,21 e R$ 40,26, respectivamente. A taxa de internação entre os participantes variou de 13,3% para 13% no mesmo período. O custo subiu de R$ 3,2 mil para R$ 3,8 mil. Existem atualmente 46 milhões de usuários, incluindo aqueles com planos exclusivamente odontológicos. No ano passado, as operadoras arrecadaram, em mensalidades, um total de R$ 74 bilhões, valor superior ao orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS), na casa dos R$ 68 bilhões.
Fonte: Correio Web
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Patricia Campos
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