Há 20 anos as relações de consumo no Brasil ganharam outra dimensão. A garantia do consumidor de levar um produto ou serviço condizente com o que foi pago saiu da esfera de um tácito acordo para virar lei. Se não foi responsável exatamente por uma revolução, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) pautou uma mudança de postura do cidadão, que passou a ser mais exigente.
O grande passo para construção de uma relação de consumo mais justa, na avaliação de especialistas ligados ao setor, foi o entendimento de que o consumidor é o elo mais frágil da corrente. O reconhecimento dessa fragilidade veio da inversão do ônus da prova, ou seja, cabe o fornecedor provar que entregou o produto ou serviço de acordo com o que foi combinado, caso o cliente reclame.
A responsabilização por publicidade enganosa é outro avanço registrado. Com o CDC, os fornecedores passaram a ser responsáveis pela qualidade do que vendem. O consumidor ganhou o direito de levar para casa exatamente o que estava anunciado, sob pena de punição do responsável pelo anúncio.
Arquivo - Elton Bomfim
Integrante da Comissão de Defesa do Consumidor, o deputado Celso Russomanno (PP-SP) lembra que, antes da edição do CDC, a relação de consumo era mais pautada por entendimentos entre o comerciante e o consumidor, e oferecer produtos de qualidade era decisão que cabia ao fornecedor para conquistar o cliente. "Mas faltava muito para que os produtos tivessem qualidade. Na verdade, muitas vezes o consumidor não sabia o que estava levando para casa", lembra.
Para Russomanno, o CDC ajudou a melhorar a qualidade dos produtos ofertados. Ele lembra que a atenção para a segurança do consumidor se tornou obrigatória. Por isso, a realização de recall de produtos com defeito passou a ser cada vez mais frequente na indústria. O deputado cita ainda a possibilidade de condenação criminal para quem oferece serviços que não estão de acordo com o disposto no CDC.
"Mesmo que as pessoas não conheçam o Código de Defesa do Consumidor, elas devem reclamar, pois isso pode evitar problemas para outros consumidores que vão buscar o mesmo produto. Além disso, é preciso pedir para ver o CDC nos estabelecimentos, mesmo que não entenda quais direitos estão assegurados ali. Essa atitude já ajuda a criar uma relação de consumo mais justa", orienta Russomanno.
"O CDC é um instrumento para proteger o consumidor. A legislação brasileira é precursora no mundo, mas há muito a se fazer", diz Delgado. Para ele, há necessidade de regulamentação das compras pela internet e de aperfeiçoamento de serviços que antes eram oferecidos pelo setor público, como a telefonia. Delgado afirma que a atuação da sociedade civil é indispensável para que o CDC esteja atualizado e garanta oferta eficiente de bens e serviços.
Consultor da Câmara na área de Defesa do Consumidor, Maurício Arcoverde lembra que, mesmo antes da edição do CDC, havia garantia de produtos quando defeituosos. No entanto, poucos consumidores se dispunham a percorrer o longo caminho até conseguirem ser atendidos em sua reclamação. "Embora existisse alguma proteção para o consumidor, não havia a consciência de que ter acesso a produtos de qualidade era uma questão de cidadania", argumenta o consultor.
O diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça, Ricardo Morishita, entende que o CDC foi importante para institucionalizar o sentido de justiça nas relações de consumo. "O consumidor passou a exigir seu direito. E o empresariado passou ser honesto com o cliente. Avançou a ideia de que não importa o valor do produto ou do serviço, o cidadão precisa ser respeitado."
Maria Elisa aponta ainda a criação dos juizados especiais como um dos fatores que agilizou a solução de demandas do consumidor que não eram resolvidas na esfera administrativa. "Em síntese, o consumidor tem agora mais acesso à Justiça, mais consciência e a possibilidade de defesa coletiva", afirma.
A coordenadora institucional da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), Maria Inês Dolci, concorda que o CDC teve papel importante para dar mais clareza ao consumidor sobre seus direitos. Ela afirma que o próximo passo é educar o consumidor do futuro. "É preciso investir também em educação para o consumo, para vacinar as crianças contra o consumismo e passar a exigir seus direitos", argumenta Maria Inês Dulci.
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